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A desigualdade de gênero no sistema brasileiro de propriedade intelectual

Publicado originalmente em Jota


Segundo estudo publicado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), as mulheres representam apenas 13% dos inventores listados em pedidos de patente depositados entre os anos de 1999 e 2020 no mundo.[1] Mantendo-se o atual ritmo de crescimento da participação feminina, estima-se que a paridade será alcançada em 2061. Daqui a longos 38 anos.


No Brasil, a desigualdade de gênero no campo da inovação também é uma realidade que não pode ser ignorada. Em 2022, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) publicou relatório abordando a questão da diversidade na propriedade intelectual.[2] No início de 2023, o governo federal lançou o programa Empreendedoras.tech, destinado a fomentar projetos de empreendedorismo de caráter inovador liderados por mulheres.


No entanto, existe uma lamentável desconexão entre as iniciativas do poder público buscando promover a participação feminina na inovação tecnológica e a escassa representatividade de mulheres nos cargos de liderança do sistema brasileiro de propriedade intelectual.


Desde sua fundação há 53 anos, o INPI teve apenas uma presidente mulher: Vanda Regina Teijeira Scartezini, que ocupou o cargo por um breve período de sete meses, entre 14/9/1995 e 7/5/1996. Atualmente, 5 das 6 principais posições no INPI são ocupadas por homens.[3] A única exceção é a Diretoria Executiva. A tendência se mantém nas unidades operacionais e coordenadorias-gerais, onde 18 dos cargos de chefia são ocupados por homens e apenas 9 por mulheres.[4] Em resumo, 70% das posições de liderança no INPI estão nas mãos de homens.

Não há justificativa para tamanha disparidade. O relatório de diversidade do INPI de 2022 mostra que os homens representam 55% do quadro de pessoal da autarquia. O problema não é, portanto, a falta de mulheres, mas sim a falta de comprometimento com a promoção da diversidade dentro do poder público.


Mesmo o Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (GIPI), instituído em 2019, não escapa dessa realidade de desigualdade. Embora presidido por duas mulheres, representantes do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o GIPI é composto por 38 homens e 26 mulheres, considerando titulares e suplentes.[5] A disparidade é ainda mais evidente entre os membros titulares indicados pelo poder público, com 9 homens e apenas 2 mulheres.


O problema não está limitado ao Poder Executivo. No Poder Judiciário, somando-se todas as instâncias, 73% dos magistrados que julgam casos de propriedade intelectual são homens. Embora haja um equilíbrio um pouco maior em primeira instância, com 6 mulheres e 9 homens designados para varas especializadas nas justiças estaduais e federal,[6] a participação feminina diminui nos níveis mais elevados da carreira judiciária.

Em segunda instância, apenas 4 mulheres compõem os órgãos colegiados especializados em propriedade intelectual, em contraste com 16 homens. No Tribunal de Justiça de São Paulo, não há uma única desembargadora nas Câmaras Reservadas de Direito Empresarial. Já no Superior Tribunal de Justiça, as mulheres representam apenas 20% da composição das Turmas com competência para julgar processos em propriedade intelectual.


Essas estatísticas são alarmantes e refletem a desigualdade de gênero sistêmica no Poder Judiciário, revelada pelo Relatório Justiça em Números 2023, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo os dados mais atuais, mulheres representam 40% da composição do Judiciário em primeira instância, 25% em segunda instância e 18% nas instâncias superiores.[7] O chamado “teto de vidro” é mais evidente do que nunca.


No estudo citado no começo deste texto, a OMPI identifica vários fatores que contribuem para essa disparidade na cadeia de inovação, incluindo a baixa presença de mulheres nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (no acrônimo em inglês, STEM) e a dificuldade de retenção de mulheres por empresas privadas e universidades. Entretanto, esses fatores não são suficientes para justificar a desigualdade de gênero no âmbito da propriedade intelectual no setor público brasileiro.


Promover a diversidade não é somente uma questão de justiça social. Estudos demonstram que a diversidade fomenta a inovação.[8] Isso não deveria ser surpresa: pessoas com diferentes experiências de vida são capazes de contribuir com perspectivas singulares. Um ambiente diversificado é solo fértil para o desenvolvimento de ideias inovadoras.


Nesse sentido, não há ninguém melhor posicionado para debater políticas públicas de diversidade, equidade e inclusão, e propor soluções criativas e eficazes do que as mulheres e outros grupos sub-representados. Embora todos tenham a responsabilidade cívica de apoiar essa agenda, é fundamental dar voz às mulheres e a demais grupos para que ocorra avanço efetivo. Por mais louváveis que sejam as iniciativas do poder público no fomento à participação feminina na inovação tecnológica, não podemos subestimar a importância da representatividade nas posições de liderança do sistema de propriedade intelectual, parte essencial do ecossistema da inovação.


 

[1] WIPO Development Studies. The Global Gender Gap in Innovation and Creativity: An International Comparison of the Gender Gap in Global Patenting over Two Decades (2023).

[2] Relatório de Diversidade, Inclusão e Equidade em PI (2022).

[3] Além da Presidência, a Diretoria de Administração, a Diretoria de Patentes, Programas de Computador e Topografias de Circuitos Integrados, a Diretoria de Marcas, Desenhos Industriais e Indicações Geográficas, e a Procuradoria Federal Especializada.

[6] Somente os Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio de Janeiro e a Subseção Judiciária do Rio de Janeiro contam com varas especializadas em propriedade industrial.

[8] A título exemplificativo, cita-se estudo que analisa os efeitos diretos e indiretos da diversidade de gênero na inovação em países emergentes: TONOYAN, Vartuhi; BOUDREAUX, Christopher J. Gender diversity in firm ownership: Direct and indirect effects on firm-level innovation across 29 emerging economies. Research Policy, v. 52, n. 4, May 2023.

 

TATIANA MACHADO ALVES – Doutora em Direito Processual (UERJ em cooperação com LMU München). Pesquisadora convidada do Institute of Intellectual Property (Japão). Advogada.

VIVIAN LUIZ COCO – Mestre em administração com foco de pesquisa na área de diversidade e inclusão na advocacia brasileira. MBA em gestão de negócios, estratégias e inovação. Diretora de Marketing e Relacionamento com Cliente do Licks Attorneys


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