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Por uma PI mais inclusiva: a presença de negros e negras no ecossistema da inovação

No dia 21 de novembro de 2023, o INPI, por meio do seu Comitê Estratégico de Gênero, Diversidade e Inclusão (CEGDI), promoveu em sua sede o 1º Seminário de Negros e Negras na Propriedade Intelectual (PI). O evento fez parte da programação da autarquia para o Mês da Consciência Negra e teve por objetivo debater as formas de fomento à disseminação da Propriedade Intelectual nos mais variados setores da sociedade, bem como destacar os desafios que as pessoas negras enfrentam nesse ambiente historicamente marcado pela segregação.


O racismo estrutural como primeira barreira à inclusão


O primeiro painel do evento concentrou-se em abordar o enfrentamento do racismo estrutural nas instituições públicas, buscando proporcionar uma compreensão sobre suas raízes, ramificações e repercussões sociais.


Conforme ressaltou Adriana Freitas, juíza do trabalho e coordenadora do subcomitê de Equidade Racial do TRT-1ª Região, a ausência de letramento racial no Brasil, dificultando o tracking de pessoas racializadas no país, representa um desafio para o enfrentamento do racismo, além de contribuir para o apagamento das experiências vividas por essa comunidade e para a perpetuação do mito da igualdade racial. Nesse sentido, a falta de autoidentificação de possíveis pessoas racializadas atrapalha a proposição de políticas públicas e programações institucionais voltadas para o tratamento da equidade e o enfrentamento da discriminação.


Adriana Freitas destacou, contudo, que há soluções para esses impasses, destacando-se a promoção do letramento racial dentro das instituições públicas, e a realização de pesquisas censitárias, buscando-se aferir a quantidade de membros negros presentes nessas instituições.

Quem também falou no primeiro painel foi Fernando Tavares, servidor do BNDES e membro do Grupo de Trabalho “Empoderamento Negro para a Transformação da Economia”. Ele observou que o racismo é a política pública mais antiga e arraigada do Brasil—afirmação contundente e irrefutável, dado que a realidade da escravidão permeou todas as instituições brasileiras. A escravatura está entranhada no processo de formação do Estado Brasileiro, e durante muito tempo, pautou as decisões econômicas e políticas em nosso país. Portanto, é crucial não negligenciar o fato de que as instituições públicas brasileiras, de maneira geral, tiveram sua origem em um contexto de realidade escravagista e, consequentemente, racista. Diante dessa realidade, a inércia por parte do poder público em reconhecer e enfrentar essa herança histórica contribui diretamente para a manutenção dessa realidade.


Como podem os institutos de PI contribuir para o combate ao racismo?


No segundo painel do evento, Érica de Holanda Leite (chefe da Divisão de Relações Multilaterais e integrante do CEGDI do INPI), David Kellis (adido do Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos – USPTO) e Michelle Llewellyn (chefe de parcerias de negócios financeiros e presidente da rede racial do Escritório de Propriedade Intelectual do Reino Unido – UK IPO) debateram os problemas relacionados ao apagamento histórico da população negra na PI. Apagamento este que decorre de fatores como a atribuição de invenções realizadas por pessoas negras a indivíduos brancos, e a ausência de registro e propagação de invenções desenvolvidas por pessoas negras. Atualmente, não há dados que representem a realidade do desenvolvimento de inovações por pessoas negras. Faz-se essencial a busca por alternativas para recuperar esses dados ou, ao menos, iniciar a coleta desses dados a partir deste momento.


Durante sua intervenção, Érica de Holanda destrinchou diversas barreiras impostas à ascensão de pessoas negras na sociedade brasileira. Entre os dados destacados na palestra, alguns merecem atenção especial: (i) no setor da propriedade intelectual, 71% dos agentes financiadores não possuem pessoas negras em suas equipes; (ii) 76% dos agentes raramente ou nunca recebem propostas de empresas de pessoas negras; e (iii) 78% dos agentes acreditam que indicação é importante. Quanto a esse último ponto, considerando que que pessoas negras foram historicamente excluídas dos centros de poder e relegadas a espaços de subordinação às margens da sociedade, é pouco crível que elas possam ser indicadas em proporções semelhantes às pessoas brancas.


Os dados citados por Érica de Holanda comprovam que o racismo estrutural afeta diretamente o ecossistema da inovação, excluindo de forma direta ou indireta pessoas negras. É uma realidade factível que pessoas negras não são estimuladas a criar, e suas criações são frequentemente apropriadas, sem que lhes seja conferido qualquer reconhecimento por suas inovações. Tal cenário é desestimulante, principalmente em um país onde os discursos oficiais clamam tanto por inovação como por diversidade, mas não são oferecidos meios de capacitação ou subsídios para que a população negra possa criar e ter suas criações devidamente protegidas. Consequentemente, o ecossistema da inovação, incluindo o ramo da PI, mantém-se excludente.


Importa destacar que as apropriações de criações de pessoas negras, além de favorecerem a manutenção do status quo socioeconômico, sustentam a crença de que pessoas negras não possuem a mesma capacidade de inovação que as pessoas brancas.


Ciente dessa realidade, o INPI vem estudando implementar algumas iniciativas, tais como (i) letramento racial dos servidores; (ii) inclusão do item “raça” nos formulários de depósito; (iii) projeto para oferecer mentorias em PI para público negro.

Essas medidas representam bons primeiros-passos para o fomento da inclusão de pessoas negras no meio da Propriedade Intelectual. No entanto, é crucial reconhecer que o racismo é um fator que permeia toda sociedade brasileira, requerendo-se uma ação coletiva – não limitada à autarquia – para a devida desconstrução da política pública mais antiga do Brasil.


Potências negras inovadoras


Em uma sociedade racista, o apagamento dos saberes negros é utilizado como uma ferramenta de dominação que se desdobra na ausência de reconhecimento de pessoas negras. No último painel do evento, o INPI buscou subverter a lógica e exaltar os saberes negros, convidando inovadores negros de diversas áreas para apresentarem suas contribuições: Mirian Cohen (assessora de inovação do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da Fiocruz), Denise Rocha Gonçalves (astrofísica e professora no Observatório do Valongo, da UFRJ), Lazir Sinval (cantora e empresária do Grupo Jongo da Serrinha) e Evandro Fióti (CEO do Laboratório Fantasma, músico, produtor compositor, diretor artístico e vencedor do Grammy Latino 2020).


As apresentações desses inovadores negros serviram para demonstrar que há pessoas que conseguiram driblar as dificuldades impostas pelo racismo estrutural e ter seu trabalho reconhecido. Entretanto, é crucial não tomar essas exceções como justificativa para apagar as dificuldades. Apesar dos exemplos inspiradores apresentados no evento, não se deve aderir a um discurso puramente meritocrático, sem analisar os atravessamentos individuais e o panorama geral da realidade das pessoas negras dentro da sociedade brasileira, frequentemente relegadas a posições subalternas.


O debate continua


O 1º Seminário de Negros e Negras na Propriedade Intelectual iniciou importantes diálogos sobre a ausência de pessoas negras no ecossistema da inovação, expondo a dificuldade enfrentada por essas pessoas para ter sua capacidade intelectual reconhecida e as barreiras impostas pelo racismo estrutural da sociedade brasileira. Conquanto algumas soluções tenham sido aventadas, efetivar mudanças reais implica estabelecer um diálogo efetivo entre instituições e sociedade civil. Ademais, não pode tal debate ficar circunscrito à esfera do INPI: embora o apoio da autarquia à causa seja fundamental, a promoção da diversidade na PI como um todo e na inovação somente se tornará realidade quando os outros agentes do sistema também se engajarem nessa pauta. Assim, embora o Seminário tenha dado um passo crucial, ainda há uma longa jornada pela frente para promover uma inclusão efetiva das pessoas negras e combater o racismo.


 

EVELYN OLIVEIRA – Graduanda em Direito (UFRJ).

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